Algumas notas e observações sobre o desafiante labor de atar moscas em anzóis de numerações diminutas.
O ofício milenar de se fixar diferentes materiais a um anzol através de um fio, na tentativa de reproduzir uma isca que se assemelhe ao alimento do peixe (em outras palavras: atar moscas), de longe é uma tarefa fácil, dadas as inúmeras características que se deseja que as moscas possuam (proporcionalidade, equilíbrio, harmonia, etc.). O pretenso atador, deve ainda possuir habilidades e saberes essenciais caso deseje se aventurar nessa fascinante atividade: criatividade, disciplina, controle motor, etc., que podem nascer junto com o indivíduo, ou serem desenvolvidas através de treino e conhecimento.
Assim, aplicando esses conceitos e procedimentos, com um pouco de dedicação consegue-se um resultado que agrade aos olhos tanto do pescador, quanto do peixe.
HO Candy Double X (3,5 cm)
Muitas das dificuldades estão associadas à fragilidade dos materiais (principalmente os naturais) e pelo tamanho das moscas, já que via de regra, o alimento do peixe são pequenos seres. A tensão aplicada a certos materiais como penas e pelos pode ser maior que a suportada e exceder o ponto de ruptura, fazendo com que o atador tenha que retroceder etapas (por vezes até recomeçar). Detalhes de moscas mais realistas como pernas e antenas, tornam o processo ainda mais delicado exigindo maestria e técnica.
Yellow Micro Gold Head (comparada a um grão de arroz)
Agora imagine o quão desafiador é garantir que a mosca atada tenhas essas mesmas características (proporcionalidade, equilíbrio, harmonia, etc.), quando o espaço que o atador tem disponível para a fixação dos materiais é drasticamente reduzido e a área de trabalho é um anzol com comprimento de haste menor que 5 mm. A dificuldade de medição, posicionamento e amarração dos materiais empregados na receita, é aumentada de forma exponencial.
O micro atado ou o atado de micro moscas é uma prova de fogo para qualquer atador testar sua perícia, pois devido ao minúsculo tamanho da mosca, tudo se torna muito mais difícil, as ferramentas tem de ser mais precisas, as quantidades de material cuidadosamente dosadas, e inúmeros outros detalhes precisam ser levados em consideração.
CDC Caddis (6 mm)
A primeira dificuldade que o atador irá enfrentar é conseguir achar anzóis em numeração micro (#20 à #32), os poucos fornecedores de anzóis para atado de moscas do mercado brasileiro, não costumam ter em estoque numeração tão pequena, o que é compreensível em um país cujas espécies mais cobiçadas são o tucunaré, o dourado e o robalo. Mas com perseverança e um pouco de paciência, consegue-se reunir uma coleção de anzóis que servirão bem ao desafio de atar micro moscas.
Anzóis TMC 100 #24 e #28, 112Y #23, 2487BL #24 e 518 #32
Passado esse primeiro contratempo, de imediato aparece o segundo entrave: fixar um anzol tão pequeno de maneira correta. A grande maioria das morsas não são concebidas para anzóis de numeração tão baixa, via de regra, suas pinças são projetadas para as numerações mais comuns (de #18 à #3/0). Os micros anzóis são feitos com arames de bitolas bastante finas, exigindo pinças perfeitamente alinhadas e que possuam pressão suficiente para acomodar esse anzóis de forma delicada e firme.
Felizmente, possuo uma G-Tech modelo Classic, que prende com facilidade anzóis dessa minimidade. Seu sistema de fixação aliado ao mecanismo de ajuste fino, permite ajustar a pinça de tal forma que essa se ajuste a um anzol número 4/0, mas também a um minúsculo número 32.
Anzol TMC 112Y #23 perfeitamente fixado na morsa G-Tech
Vencida a etapa da fixação do anzol, poderemos então avançar de fato ao atado, contudo há de se ter em mente que a manipulação das ínfimas quantidades dos materiais que serão usados para a confecção das micro moscas com as mãos nuas, é tarefa para poucos. Até mesmo para enxergar com clareza o material que se está manejando é terrivelmente difícil no atado de moscas tão pequenas. Qualquer corrente de ar, por mais branda que seja, poderá mover de lugar o material que havia sido separado e muito provavelmente o atador nunca mais conseguirá encontrá-lo novamente.
Nesse sentido, o uso de algumas ferramentas são mais que fundamentais para que não seja tão penosa a tarefa de ver, separar e fixar o material no anzol. Considero que pelo menos 3 ferramentas sejam essenciais para auxiliar o atador na montagem:
- Lente de Aumento (uso uma Lupa de Pala)
- Pinça de Precisão
- Tesoura de Ponta Micro Fina
Além dessas três, um bodkin com ponta bem fina é de enorme ajuda, pois a quantidade de cola ou head cement que se vai aplicar é minúscula e a precisão necessária para aplicar essa gotícula é de sobremaneira facilitada com o uso deste.
Ferramentas de precisão são fundamentais
Por conta das dimensões dos micro atados, a máxima “menos é mais” não poderia aplicar-se mais adequadamente. Se 10 a 12 fibras de pena de galo são ideais para uma cauda de mosca seca atada em anzol #14, metade dessa quantidade pode ainda parecer muito para uma micro mosca atada em anzol #28. Dimensionar adequadamente as quantidades de material para anzóis menores é um pré-requisito para que ao final do atado não se tenha produzido uma mosca sem equilíbrio ou proporção. O primeiro item, que consta praticamente de todas as receitas de moscas, e que se deve escolher com cuidado é o fio de atado. Um fio de atado, por mais fino que se possa imaginar, pode se transformar em um cabo, se não estiver compatível com o tamanho do anzol.
Fios de atado 30 Denier (~1/0) e 14/0 (70 Denier) da Veevus
Um fio 14/0 (70 Denier) é uma ótima opção, fino o bastante para permitir um número de voltas adequado sem que haja um “engrossamento” indesejável. A escolha do fio deverá levar em conta que à medida que se diminui a seção, a tendência é que a resistência também diminua, o que pode tornar o atado aborrecido devido às eventuais repetidas rupturas do thread. Alguns fabricantes como a Veevus, contornaram essa situação e conseguiram produzir um fio fino e forte, excelente para esse tipo de atado.
Veevus G02, a melhor escolha
Apesar de só estar disponível na cor branca (o que é facilmente contornável com o uso de um marcador permanente), o fio G02 da Veevus é sem dúvidas a melhor opção do mercado. Extremamente fino e surpreendentemente forte, proporciona uma fixação “limpa” do material, sem que o volume seja aumentado, caso necessite-se por quaisquer motivo, aplicar algumas voltas adicionais do fio de atado (prática que deve ser evitada a todo custo).
É um fio tão fino que exige do atador certo cuidado ao aplicar tensão na bobineira para que o material que se deseja fixar não seja seccionado. Um outro aspecto bastante peculiar desse fio é sua tendência a “fugir” do controle enquanto tenta-se atravessá-lo pelo tubinho da bobineira, o que se resolve de forma simples e prática através da utilização de um bobbin threader.
Além do fio de atado, o lastro, um outro “ingrediente” bastante comum nas “receitas” de moscas (principalmente nas de ninfas), dever-a ser adequado às finas bitolas dos arames dos micro anzóis.
Detalhe dos tamanhos dos gaps e das bitolas dos arames
Um fio de chumbo por mais fino que seja, quando enrolado em volta da haste de um micro anzol, produzirá um subcorpo bastante volumoso. Por conta disso, uma boa prática é utilizar o fio de lastro na menor bitola possível, ou então optar por uma solução ainda mais adequada para essa e outras inúmeras situações de atado que é a folha de chumbo, normalmente esse material é vendido em formato de pedaços finos de chumbo adesivados, facilitando a fixação ao anzol e produzindo um subcorpo delgado.
Os lastros também precisam ser mais finos
E apesar de não alcançarem as numerações mais baixas, os micro bead heads de 1/16” (aproximadamente 1,5 mm) também se prestam muito bem para adicionar mais peso às micro ninfas. Há de se tomar um certo cuidado no momento da colocação desses micro bead heads e checar sempre se estão bem dimensionados, forçando-os um pouco contra o olho do anzol, pois alguns modelos possuem o olhal menor que pode não ancorar a contento o bead head ou deixar esse parcialmente coberto. Nessa situações uma boa base de linha de atado e uma gotícula de cola ajudam de sobremaneira na fixação do micro bead head.
Zebra Nymph atadas em TMC 200R #22
Em atados tão pequenos, receitas mais sofisticadas são quase inviáveis, e via de regra as moscas são simples com poucos elementos. Ainda que sejam simples, não é tão trivial distribuir as ínfimas quantidades de material sobre a haste do anzol e conseguir um resultado final que apresente de modo satisfatório, aquelas mesmas características essenciais (proporcionalidade, equilíbrio, harmonia, etc.).
Porém, com algum treino, paciência e técnicas adequadas, pode-se atar desde ninfas, wets e até moscas secas consideradas já de difícil execução em numerações normais, também em tamanhos minúsculos. A recomendação básica é a de se dosar cuidadosamente a quantidade de material que será aplicado, pode parecer estranho à primeira vista, mas nesses micro atados, muitas vezes a quantidade de material empregada na mosca é menor do que sobra em um atado comum. Se você usa uma lixeirinha pra guardar os restos dos atados, tenha certeza que dali sairá material para dezenas de micro moscas. Montagem de micro mosca seca em anzol #28:
Ainda que o fio de atado seja fino, aplique poucas voltas
Algumas fibras são suficientes pra fazer a cauda
Use um marcador permanente para colorir o fio de atado
Uma pequena pena de CDC produz um excelente micro poste
Finalização com uma quantidade ínfima de dubbing
Um outro ponto muito importante no micro atado é a finalização da mosca. Assim como quando estamos fixando algum material na haste do anzol, temos o hábito de aplicar mais voltas com o fio de atado que o necessário, na finalização (via de regra) também exageramos tanto no número de voltas, quanto na quantidade de nós e de cola aplicada.
Pode não parecer que isso faça diferença para um atado em anzol #14, mas para uma micro mosca, esse exagero pode ser catastrófico e transformar um trabalho delicado de montagem em uma mosca grotesca e desequilibrada. Portanto, todo cuidado é pouco na hora de finalizar a montagem da mosca, esse é o momento em que deve-se ser mais econômico e preciso.
Spinner atado em anzol TMC 518 #32
Eventualmente pode ser necessário a adoção de um acabamento incomum, por conta das dificuldades de espaçamento e de manobras convencionais.
O spinner mostrado abaixo, foi atado em um anzol modelo TMC 518 #32, a haste deste anzol tem pouco mais que 2 mm de comprimento, se fosse adotado o padrão de acabamento com nó de finalização na frente da asa, próximo ao olho do anzol, não sobraria espaço suficiente para a montagem do abdômen da mosca. Para resolver essa questão, o nó de finalização foi aplicado atrás da asa da mosca, o que permitiu a montagem do abdômen e de um tórax que se constituiu basicamente da ancoragem da asa e do nó de acabamento.
Finalização com nó atrás da asa
As montagens mais difíceis nessas dimensões são aquelas receitas que apresentam colares de fibras de penas (hackle). Além da já conhecida dificuldade natural de se encontrar penas que tenham fibras com comprimento adequado, o tamanho dessas penas é tão pequeno que mesmo com o auxílio de um hackle pliers, enrola-lá em torno da haste do anzol é uma tarefa muito delicada.
Wet fly - fio de cobre e pena adequadamente dimensionados
É claro que esta dificuldade com o hackle será maior no casos de colares funcionais (que estão presentes nas moscas com o objetivo de ajudar na flutuação ou transmitir movimento), usados em moscas secas e em wets, no exemplo abaixo, o colar feito de fibra de pena de pavão é apenas um detalhe além do material sintético que forma todo o corpo da ninfa.
Midge atada em anzol TMC 200R #20
Os padrões que apresentam mais detalhes em sua montagem, tendem a ser mais trabalhosos e desafiadores. Fazer uma segmentação em um abdômen de míseros 3 mm com um tinsel cuja largura está na casa dos décimos de milímetros exige mais que precisão e paciência, é preciso uma visão muito nítida para que os segmento sejam regulares e uniformes.
Ninfa com segmentação de abdômen em TMC 2487 BL #24
Ninfa com segmentação de abdômen em TMC 2487 BL #24
Asas nessa escala são outra ousadia, dimensioná-las e posicioná-las pode levar mais tempo que atar todo o restante da mosca. A depender da flexibilidade e da fragilidade do material, o posicionamento e a fixação das asas pode ter que ser repetido exaustivamente até se obter êxito. A dica para suavizar esse desafeto é aplicar uma pequena quantidade de head cement no local, antes de posicioná-las.
Micro Spinner previamente amarrado ao tippet
Por fim, uma dica não relacionada à montagem da mosca, mas sim ao seu uso. Especialmente para pessoas com dificuldades de visão, mas também para aqueles que não querem perder tempo na hora da pescaria, é bastante recomendável que as micro moscas sejam previamente amarradas a pequenos pedaços de tippets e esses sim sejam atados ao líder na hora de serem usados.
Mesmo sendo um desafio atar micro moscas, o retorno é duplamente recompensador. Primeiro porque a precisão e controle adquiridos no treinamento desses micro atados torna a montagem de moscas de tamanho comum bem mais fácil, e segundo porque o prazer em fisgar um pequeno predador, com uma mosca minuciosamente atada é inversamente proporcional ao seu tamanho.
Pequeno lambari capturado em uma micro emerger
Grande Abraço